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PSL: “Nada há de novo debaixo do sol”

Essa confusão no PSL é uma coisa muito feia! Mas não é coisa nova. Em dezembro de 2015, dois Leonardos se enfrentaram pela cadeira de líder do PMDB na Câmara dos Deputados, numa disputa fora de época, igualzinha à que acontece no PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro.

O objetivo naquele tempo era a composição de uma comissão especial para analisar o impeachment da presidente Dilma Rousseff. O deputado federal Leonardo Picciani, líder do partido na Câmara, quis indicar para compor a comissão colegas contra o impeachment. Os a favor, liderados pelo correligionário Eduardo Cunha, não gostaram, assinaram uma lista, destituíram Picciani e nomearam Quintão. Picciani reagiu, convocou deputados federais licenciados e conseguiu recuperar a cadeira.

A imprensa teve com o que se ocupar um bom tempo e a história conta o resto. O destino de cada personagem mostrou que uns foram para um lado, os demais para outro, mas nenhum deles retornou ao mandato.

A briga no PSL tem outros motivos, ainda não se sabe exatamente quais, mas a razão, é possível assegurar, é a mesma da briga no PMDB em 2015. Encontrei-a num livro que li há muitos anos e ao qual voltei recentemente, motivado pela crise política no Peru.

No Peru, a confusão de hoje começou na década de 90, quando Alberto Fujimori, a novidade, o puro, derrotou, com a ajuda dos evangélicos, o escritor Mário Vargas Llosa na disputa pela Presidência da República. O escritor nobel da literatura contou a experiência dele com a política na campanha presidencial no livro de memórias “Peixe na Água”.

Num dos melhores trechos, que tem uma absurda serventia para avaliar os movimentos da política em todo o mundo moderno, Mário Vargas Llosa registra:

“Já dentro da fogueira, fiz uma descoberta deprimente no decorrer daquelas reuniões tripartites (momento em que ele construía as alianças políticas). “A política real…”, disse ele, “não aquela que se lê e se escreve, se pensa e se imagina – a única que conheci -, mas a que se vive e se pratica no dia-a-dia, tem pouco a ver com as ideias, os valores e a imaginação, com as visões teleológicas – a sociedade ideal que gostaríamos de construir – e, para falar com crueza, com a generosidade, a solidariedade e o idealismo. Ela é composta, quase exclusivamente de manobras, intrigas, conspirações, pactos, paranóias, traições, muito cálculo, uma dose não negligenciável de cinismo e todo tipo de tramóia. Porque o que efetivamente mobiliza, excita e mantém em atividade o político profissional, seja ele de centro, de esquerda ou de direita, é o poder: chegar a ele, manter-se nele ou voltar a ocupá-lo o mais depressa possível. Há exceções, claro, mas que são isso mesmo, exceções. No início, muitos políticos são movidos por sentimentos altruístas – mudar a sociedade, obter justiça, impulsionar o desenvolvimento, moralizar a vida pública – mas, na prática miúda e comezinha que é a política cotidiana, esses belos objetivos vão deixar de sê-lo para transformar-se em simples tópicos de discursos e declarações – dessa persona pública que adquirem e que acaba por torná-los quase indiferenciáveis entre si – e, no fim, o que prevalece neles é o apetite cru e às vezes incomensurável pelo poder. Quem não é capaz de sentir essa atração obsessiva, quase física, pelo poder, dificilmente chega a ter êxito na política”.

Santo Deus! Como isso é verdade! Li o “Peixe na Água” em janeiro de 1996, num raro momento de lazer com os filhos no Hotel Fazenda Caluje, em Engenheiro Paulo de Frontin. Achei o trecho poético e marquei-o. Depois, sem voltar ao livro, passei por várias experiências eleitorais, como operador de campanhas.

Voltei a lê-lo, recentemente, quando comecei a ouvir gente dizendo que a eleição do Jair Bolsonaro, no Brasil, do Trump, nos Estados Unidos ou do governador Witzel no Estado do Rio de Janeiro são coisas novas, coisas que nunca se viu. Mas eu sabia que já tinha visto algo bem parecido e muito antigo. E vi mesmo.

O povo do Peru derrotou Vargas Llosa porque ele organizou uma chapa com políticos tradicionais e não se curvou a uma agenda conservadora nos costumes. Assumiu ser agnóstico e defendeu que “as crenças religiosas, tal como as amizades e a vida sexual e sentimental, pertencem ao domínio privado, devem ser rigorosamente respeitadas e em caso algum transformadas em matéria de debate público”.

O que seria o Peru com a vitória do Vargas Llosa é hoje puro exercício da imaginação; mas o que conseguiu ser ao eleger Fujimori, se sabe.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos