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O UBER, o imposto e os jabutis

O histórico dos prefeitos da Cidade do Rio de Janeiro é de predadores insaciáveis da atividade econômica e isso se confirma com o aparecimento de mais uma taxa sobre o setor privado da economia, que surge travestida de regulamentação. 

Na quarta-feira, dia 16, o Diário Oficial do Município publicou o Decreto 4.8612/21, para “disciplinar o transporte individual privado remunerado de passageiros por meio de aplicativo”. É assim que está dito, numa situação que a língua pátria autoriza entender como teletransporte por aplicativos, como acontece com as naves dos filmes de ficção. Sim, porque transporte por meio de aplicativo, só sendo teletransporte. Pode ser que a Prefeitura do Rio já esteja à frente dos chineses que, recentemente, teletransportaram fótons para o Espaço. 

O decreto tem 16 artigos que camuflam o propósito único e verdadeiro do instrumento: arrancar dos usuários de carros chamados por aplicativos uma taxa de 1,5% por corrida.

O texto foi elaborado bem ao estilo da cultura dos agentes públicos, quando querem impressionar e enganar. Nesse sentido, o artigo 2° é exemplar. Nele está dito que o uso e a exploração econômica do sistema viário urbano do Município devem observar algumas diretrizes, entre elas, “evitar a ociosidade ou sobrecarga da infraestrutura urbana disponível e racionalizar a ocupação e utilização daquela instalada”. Ou seja, com um simples decreto o prefeito encontrou o ponto de equilíbrio entre a ociosidade e sobrecarga. 

Três artigos, o 10, o 11 e o 12, portanto, três em dezesseis, tratam de algo chamado CERVA, sigla para um pomposo conselho, que representará, sem dúvida, vários itens novos de despesas, o Comitê para Estudos e Regulamentação Viária de Aplicativos. Compõem o Comitê três secretarias municipais, duas empresas públicas e a Procuradoria-Geral do Município. Imaginem…

Há quem diga que os Ornitorrincos e Dromedários foram criados por comitês no dia de descanso do Criador. Lembremos que o Estado no Brasil é quase tão poderoso quanto o Criador ou, talvez, até mais, porque Deus trabalhou duro seis dias para descansar no sétimo, já essa turma…

Diz o decreto que o dinheiro arrecadado será destinado a um fundo municipal denominado de Mobilidade Urbana Sustentável. Mas, muitas e muitas vezes, não poucas, o Estado Brasileiro criou tributos com destinação específica burlada no curso e uma das burlas tem sido, invariavelmente, para pagar salários onde estão embutidos toda série de privilégios. Tem sido assim, porque servidores públicos têm força corporativa e voto, sem compromisso com o desempenho ideal. Mas, eles também têm dores e razões justificadas pelas nomeações por compadrio, “os jabutis que não sobem em árvores”. 

O termo é da doutora em Sociologia, Carmen Migueles, que organizou com Marco Túlio Zanini “O Elo Perdido”, publicado recentemente. O título dá a indicação do objetivo do trabalho: encontrar resposta para o Brasil de todas as qualidades e riquezas, mas decadente – sempre decadente. Carmen identifica na nossa cultura a razão do problema e cita, entre outros problemas, “os jabutis colocados nas árvores”. 

Carmen foi candidata à prefeitura do Rio na primeira experiência do Partido Novo, em 2016 e disputou a eleição para o governo do estado, na função de vice, ao lado de Marcelo Trindade em 2018. Os eleitores, contudo, num ano e no outro, por conhecerem pouco as pretensões do partido e dos candidatos dele, escolheram políticos que ao ouvirem as sinetas da produção do setor privado salivam como fazia o cão treinado do doutor Ivan Pavlov. 

Diz Carmen: “O nepotismo e as nomeações por lealdades pessoais, conhecidos como a arte de colocar jabutis em cima de árvores, têm efeitos mais profundos do que apenas destruir as bases da meritocracia, que literalmente significa o governo do mérito, ou o mérito como critério ideal para ascensão social para o exercício do poder. Os jabutis têm medo de cair de árvores. Logo, não causam danos apenas por ter ocupado o cargo sem méritos, mas por trabalhar para ocultar o trabalho de quem tem mérito e impedir que essa informação apareça, pois o mérito o ameaça e deixa claras suas vulnerabilidades. O jabuti desenvolve um grande esforço por demonstrar lealdade pessoal ao superior…”.

E diz mais: “O paternalismo infantiliza o subordinado e premia a obediência e a lealdade como capacidade de ler e antever as preferências do chefe…” O livro vai muito além. Sugiro que você leia. 

O decreto do Prefeito Eduardo Paes é cruel, se considerarmos o perfil dos proprietários dos veículos chamados por aplicativos e o desespero dele para pagar salários em dia, antes de qualquer outra providência. A medida deixa também uma lição para a oposição: insuficiente é dizer-se contra, porque é necessário exigir que o Prefeito dê explicações melhores sobre o motivo da nova taxa, sem enrolação, sem comitês e com a demonstração de não existirem, de fato, outras atividades que possam suportar melhor o peso da prefeitura sobre os ombros. Quem sabe com menos “jabutis” já não se teria um sinal? 

Os agentes do Estado Brasileiro são ousados demais, porque, de menos, são os liberais no Poder. 

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos

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O Sermão do Bom Ladrão

Fico mais atento às relações dos agentes do Estado Brasileiro com a sociedade  no tempo das eleições, porque elas representam a chance de haver mudança numa relação que é, ainda hoje, de vassalagem.  

Vejo nisso ocasião para trazer à memória um dos sermões do Padre Vieira, o Sermão do Bom Ladrão, aqui colocado como lição e nunca como provocação. 

Acredito que todos já conheçam o Padre Vieira, mas quero apresentá-lo com a beleza da cena de abertura do filme Palavra e Utopia, de Manoel de Oliveira, onde Lima Duarte dá aos Sermões a mesma eloquência que, certamente, lhes deu o Padre. 

A cena de apresentação de Vieira está num julgamento. O juiz determina ao réu: “Levante-se e diga quem é”.  O réu obedece e diz:  “Sou Padre Antônio Vieira, religioso professor da Companhia de Jesus, teólogo, pregador régio e assistente do colégio desta cidade.  Nascido em Lisboa em 6 de fevereiro de 1608, filho de Cristóvão Vieira Ravasco e Maria Azevedo, ainda vivos na Bahia, com meu irmão, Gonçalves Ravasco de Albuquerque e família, para onde fomos em 1614, e onde fui educado no Colégio dos Jesuítas, entrei no noviciado e me ordenei”. 

Fico por aqui na narrativa do filme, que vale a pena assistir por completo. Ele está disponível no Youtube. Apresentado o autor, vamos ao Sermão, antes, porém, dizendo o motivo de usá-lo como lição aos eleitores na campanha que está à porta. 

Tenho visto por aí candidatos esforçando-se para voltar ou permanecer no poder. Ato legítimo. 

Entretanto,  alguns já nos causaram prejuízos e, em alguns casos, a morte de pessoas. Para fugirem à responsabilidade por esses atos, os candidatos apontam o dedo para os auxiliares, que eles mesmos escolheram. Mas, seria somente dos auxiliares a responsabilidade? Afinal, quem nomeou tais pessoas e quem deixou de observá-las de perto como deveria? Por certo, não fomos nós contribuintes. Mas, seremos, contudo, chamados, no final da linha, a pagar a conta, situação resultante da relação desigual que há entre os agentes públicos e o povo. 

O voto é ato de confiança, que se estende à liberdade que têm os eleitos para escolher com quem trabalham e para cuidar do dinheiro, que entregamos ao Estado para que ele cumpra as funções em razão das quais existe. 

Quem não foi digno da confiança uma vez, por certo, não será novamente. Cheguei, então, ao elo que liga o presente assunto ao Sermão do Padre Vieira. Nele está relatado, entre muitos exemplos de ladrões pobres e ladrões ricos, o perdão de Cristo a Zaqueu, um agente público, coletor de impostos. 

Diz o Padre Vieira: “Entrou, pois o Salvador em casa de Zaqueu, e aqui parece que cabia bem o dizer-lhe, que então entrara a salvação em sua casa; mas nem isto nem outra palavra disse o Senhor…”. 

Continua o Padre Vieira, dizendo ao Cristo: “E este homem na vossa pessoa vos está servindo com tantos obséquios, e na dos pobres com tantos empenhos, (…), e a sua salvação é a importância que vos trouxe à sua casa, se o chamastes, e acudiu com tanta diligência, se lhe dissestes que se apressasse e ele se não deteve um momento, por que dilatais tanto a mesma graça que lhe desejais fazer? Por que não acabais de o absolver, por que não lhe assegura a salvação?” 

A resposta indica um caminho para o perdão e salvação: 

“Porque este mesmo Zaqueu, como cabeça de publicanos roubou a muitos, e rico como era, tinha com que restituir o que roubara. Enquanto estava devedor e não restituiu o alheio, por mais boas obras que fizesse, nem o mesmo Cristo o podia absolver(…). Eram todas obras muito louváveis; mas, enquanto não chegava a fazer a da restituição, Zaqueu não merecia a salvação. Restitua, e logo será salvo. E no mesmo ponto que o Senhor, que até ali tinha calado, desfechou os tesouros de sua graça e lhe anunciou a salvação. De sorte que, ainda que entrou o Salvador em casa de Zaqueu, a salvação ficou de fora, porque, enquanto não saiu da mesma casa a restituição, não podia entrar nela a salvação. A salvação não pode entrar sem se perdoar o pecado, e o pecado não se pode perdoar sem restituir o roubado”. 

Está dito. Sirvamos-nos, portanto, do exemplo para ter uma boa prática na relação dos agentes públicos com a cidadania. Se alguém deseja ter, novamente, o voto do cidadão, e no passado, por negligência ou ação direta, permitiu que ele fosse roubado ou mutilado, arranje um jeito de o ressarcir do prejuízo. Caso contrário, o pedido de voto será, com justo motivo, considerado um ato de cinismo e a confirmação da confiança uma atitude estúpida que aplaudirá a irresponsabilidade.

*Artigo publicado no Boletim da Liberdade.

Por Jackson Vasconcelos